Você é jovem e vai se acostumar rápido. Odeio essa frase. Era o que minha mãe repetia todas as vezes que eu a questionava. Tive que lidar com a distância dos dois, com o amargor e seu adeus. Até o dia em que meu pai saiu de casa. Eu era jovem realmente, mas eu sabia o que era a mentira de um e o que era a farsa do outro; eu sabia o que era os sentimentos dos dois, porque também eram os meus, e chorei, porque tudo foi perda.
Agora tenho que escolher: café com um, parque com outro; almoço aos domingos, jantar às seis. Não mais a completude, nunca agraciada ao todo, sempre uma metade que não nutria; uma parte que faltava, algo traduzido em: amor. Eu era jovem para saber do amor e ainda sou. Mas da falta sabemos todos.
“Você é jovem e vai se acostumar”, ela dizia – e eu cansada das mentiras –, ela olhando o espaço vazio na mesa, uma cadeira a mais, remexendo a colher no pires, na xícara, no pires. O sol andando no ladrilho de uma casa imensa, a pouca luz, enquanto o café esfriava, e o olhar dela, vago, preso às ranhuras da mesa, e às vezes para mim, sem saber que, depois de todos esses anos, tive a última notícia de Augusto.
Um homem alto, altivo, corpo feito de braço forte. Muito diferente do papai: baixo, calado, sem uma única expressão digna. Ele teve uma casa perto de nós; foi dono de um grande armazém de alimentos e fornecia a comida no bairro.
Minha mãe fazia o mesmo caminho várias vezes ao dia, o pretexto de comprar mantimentos que tínhamos de sobra na dispensa. Um dia, voltando da escola, encontrei-o sentado na sala. Bebiam café. Umas caixas no chão com as compras que fora deixar pessoalmente, e, entrando, gentilmente me estendeu uma mão grande de dedos pontudos; de forma educada, perguntou da escola, o que gosta? Qual idade tem agora?
Para mim, homens eram distantes, mas o Augusto me trouxe uma voz: uma surdina que desmascarou nosso lar. Sempre sentia o cheiro do cigarro ou do perfume nas ruas e via em rostos masculinos aquele rosto gentil por trás dos óculos, pegando a mão de minha mãe, tocando-lhe o corpo, usando seu ar, compartilhado em nossa poltrona.
Eles ficaram assim até a mudança daquele homem, uma mudança definitiva, para minha mãe calar, sem deixar em silêncio o oceano.
Sabia de suas razões, mas ela mentia, e eu soube, quando se encontraram da última vez.
Estávamos na fila da loja de roupas. Meu pai de cabeça baixa não virou o rosto quando o homem passou e minha mãe o chamou pelo nome. Ele respondeu com um sorriso. Aquele cabelo negro, as bochechas de menina, com algumas rugas da idade, e maquiagem pesada: borda de pele vermelha, lábio rubro, lápis nos olhos para esconder insônia.
Ela tocou-lhe no braço, mexeu os olhos para a direita. Queria um espaço afastado só deles, longe das vinte pessoas na sua frente.
“Vou te falar: não posso mais; não podemos mais”, ela disse. “Meu espírito livre não combina com sofá aos domingos, nem com televisão. Quero sair, ele fica; tomo cerveja, ele café; nem fuma mais, é um homem morto”. E ela foi destilando, e apertava os olhos na direção da fila, para o marido de cabeça voltada ao chão.
Evitava a cor daqueles olhos; não lhe negava o corpo, mas sem amor àquele homem taciturno e mole, parecido um saco plástico. Não o sentia mais no bico dos seios, nem no meio das pernas, na vagina, desde quando lhe veio a filha, desde a mudança para aquela rua no bairro Vermelha, na casa de sua mãe.
“E sua mãe?”, perguntou o outro.
“Se foi há quatro anos. Quanto tempo. E você?”
Os dois davam passos lerdos, cruzando as cerâmicas, tocavam-se nos braços, como deixaram em outros lugares senis, o cheiro da saudade, o tesão. “Eu quis te mostrar o corte de cabelo, lembra?”, ela comentou. “Sim”, ele respondeu. “E você usava negro: blusa, calça, a calcinha, o cabelo negro; bebemos cerveja, os cigarros”. Fez um gesto com a mão, tocou a cintura dela, depois bem abaixo do umbigo. “Lembro você grávida, barriga na garganta, mãos dadas com o Ricardo na rua”.
Ela virou-se para ele, as costas nuas no vestido à mostra para todos. O rosto bem perto. “Tempo depois nos conhecemos Augusto, lembra?”
E o homem viu o próprio rosto no vidro: também com marcas de tempo, barriga grande, curvado: medroso; fraco. Ficaram mudos, tragados.
Perto do amante, ela dissimulava: pegava algo na bolsa, falava de alguém em comum, sorria. “Vamos naquele bar?”, perguntou. “São treze anos”, ele disse. “Sim. As novidades, muitas as novidades”, ela o encarava: “como antes?”.
“Ali, logo ali?”
“Sim”. Ela pensou um pouco: “não seria ótimo?”.
“Aquela é tua menina?”, o homem desconversou.
Uma moça de treze anos, curvada como toda menina magra, cabelo negro como o da mãe, sentada no batente, mexia papéis.
A fila agora andava devagar.
A menina correu até ela.
“Mãe, vamos embora?” Um dente faltando, a pequena crescia.
“E então, Augusto?”, tocou-lhe a mão: “Estamos marcados?”.
“Eu ligo para você. Acho que podemos marcar”.
Eu criança, olhava-os: um anjo e uma grande rocha, sangue nas gengivas da batida, uma asa rompida.
Ele não iria; finalmente disse que não.
“Desculpe o engano, moço”, minha mãe disse sorrindo: “achei que fosse outra pessoa”. Virou-se muito decidida, pegou minha mão e fomos até a ponta da fila, no caixa.
Eu sentia sua mão puxando a minha, o braço firme à frente, até o meu pai que sorria ao nos ver.
Lá atrás, sozinho e velho, um homem que minha mãe amara sem rédeas.
“Quem era ele, mãe? Quem era aquele homem?”, perguntei assim que saímos da loja de roupas, mas eu era só uma criança; ela, uma mentirosa.